Aconteceu no Leste… Este «filme» não tem Henry Fonda, mas Ljubomir Stanisic, no papel principal. Não se passa no Velho Oeste, mas em Belgrado, ainda Jugoslávia. E tudo começou por acontecer em 1994 quando, aquele que se viria a tornar um dos mais conceituados chefs de cozinha a trabalhar em Portugal, iniciou a sua especialização em Química da Alimentação, na Escola Hemijsko Tehnoloski Obrazovni Centar, na Belgrado-natal. Deixaria o curso em 1997, o percurso apenas começaria assim...
Na história ainda curta, mas ao mesmo tempo bem longa, de Ljubomir (nasceu a 8 de Junho de 1978 em Sarajevo), não há parágrafos com dedicatórias à família e às «heranças» gastronómicas, não há linhas que ligam o sonho de uma criança à realidade de uma cozinha. A sua musa é e sempre será Rosa, a mãe, que, entre muitos outros feitos, passou dias a fio a cozinhar batatas e, dias a fio, fez com que não houvesse um dia igual ao outro… uma batata igual à outra. Talvez a imaginação da mãe tenha estimulado a imaginação do filho. Talvez…
Certo é que nem só de imaginação nem só de intuição. Por isso, nesta história de alguns encantos e desencantos, de guerra e paz, de encontros e desencontros, há colunas inteiras que falam de formação, de educação. Seguindo esta «norma», Ljubomir seguia em linha recta as «regras» do seu país-natal, onde quem não estudava, pagava multa. Ljubomir não paga multas… mas estuda.
Ainda em Belgrado, na Universidade Popular Bozidar Adzija, frequentou os cursos de Padaria e Pastelaria fina (1995) e de Cozinha Internacional (1997). Em 1995/96 fez-se assistente de Padaria e Pastelaria, no Estabelecimento de Padaria e Pastelaria Bobe e, no ano seguinte, tornou-se sub-chefe de Padaria, no Estabelecimento de Padaria e Pastelaria Skadarlija.
Últimas experiências em Belgrado. A partir de então, a cidade transforma-se num cada vez mais pequeno ponto num mapa de estradas europeu. Um mapa pessoal, rascunhado, especialmente rabiscado no sítio onde se desenham França, Portugal e Espanha…. Ljubomir viajou em fuga (de uma guerra) e em busca (de um objectivo). Não parou enquanto não encontrou… Parou em Portugal. Encontrou a paz (no Gerês) e a vocação (na cozinha).
Até chegar às mãos de Vítor Sobral, teve, em 1997/98, uma passagem fugaz pelo restaurante «Picanha», em Lisboa, mas foi com o conhecido chefe de cozinha português que se tornou cozinheiro de 1ª e chefe de cozinha. Entre 1998 e 2000, passou pela Cervejeira Lusitana, em Carnaxide, pelo restaurante Açoreana, em Lisboa, e elaborou menus e jantares temáticos na Miele. Há um Ljubomir antes e um Ljubomir depois de Sobral…
Depois de Sobral, há um Ljubomir mais sólido, mais experiente, que, em 2000/01, faz consultoria e elabora o menu do restaurante Massas e é chefe de cozinha no restaurante Clube Naval Hennessy´s, ambos em Lisboa. Em 2001, colabora com a empresa de importação e exportação de produtos alimentares Lusitália, em Lisboa, e com a empresa espanhola Angulas Aguinaga, S.A., para a apresentação de uma gama de produtos La Gula em Portugal. Elabora ainda o menu e diversos eventos no restaurante Heróis – Café Lounge, no Chiado.
Em 2002/03, torna-se chef de partie no Hotel Albatroz, em Cascais, até que, em 2003/04, passa a chef de tournant no Hotel Fortaleza do Guincho. A experiência marcou-o para sempre. Rende-se às técnicas francesas, à excelência do produto e à mestria da cozinha deste restaurante com 1 estrela Michelin. Em 2002 já tinha cedido à «sapiência gaulesa», quando frequentou o curso de Tecnologia do Chocolate, Entremets et Tartes, na L´École du Grand Chocolat, Valrhona, em Tains L´Hermitage, França.
Os três anos que correm entre 2002 e 2005 são prolíferos. Em 2002, tira o curso de Cozinha Italiana e o de Cozinha do Mar, ambos na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril. Em 2003, seguem-se os cursos de Cozinha em Vácuo, Sous Vide Cooking Course – The Art of Temperature Management, pelo CREA – Centre de Recherche et d´Études pour L´Alimentation, e o de Higiene e Segurança Alimentar, pela Johnson Diversey Consulting e, em 2005, participa na Acção de Formação de Gastronomia Molecular, no Instituto Superior de Agronomia. É também nesse ano que lança a sua primeira obra: Cascais 100 Maneiras é um livro de autor, com edição de autor, que mostra quem é o autor.
Entre 2002 e 2005, além de elaborar os menus e fazer consultoria na Enoteca de Cascais, elabora e apresenta receitas próprias, como convidado, para o Corpo Diplomático, em Luanda, Angola (2003) e faz um estágio com o chefe Fernando Bárcena no restaurante Aldebaran (1 estrela Michelin), em Badajoz (2004).
2004 é «o» ano. A primeira pedra para um novo empreendimento na vida deste jugoslavo-entretanto-quase-português. É nessa altura que se torna chefe de cozinha e proprietário do restaurante 100 Maneiras, em Cascais. Paralelamente, faz consultoria e assessoria ao restaurante Bem Belém (2004/06) e torna-se consultor e sócio-gerente do restaurante Foral da Vila em Cascais (2006/07).
Mas é com a abertura do 100 Maneiras no Hotel Albatroz, sobre a baía de Cascais, que se volta a página do livro de vida de Ljubomir Stanisic. E os prémios falam por si… Em 2005, é eleito Melhor Chefe de Cozinha do Ano, pela Revista Néctar e o restaurante é eleito “Restaurante Revelação do Ano 2004”, pela Revista de Vinhos. No ano seguinte, o 100 Maneiras é reconhecido pela revista “Q” como um dos 10 melhores restaurantes do país; em 2007, é considerado pela revista Veja como melhor restaurante de cozinha contemporânea e, 2008, a sua carta de vinhos fica entre as três melhores do país.
A evolução do tipo de cozinha do 100 Maneiras foi tal que foi criada uma parceria com o Instituto Superior Agronomia, na vertente de investigação de cozinha molecular.
2007 não «poupa elogios» a Ljubomir: é distinguido pelo presidente da Câmara de Cascais, António Capucho, com medalha de mérito empresarial e desenvolvimento de cultura e turismo e reconhecido pelo crítico gastronómico Rafael Santos (do festival “Lo Mejor de la Gastronomia”, considerado um dos maiores fóruns de gastronomia) como um dos cozinheiros mais criativos a trabalhar em Portugal. Ironia ou não, foi depois da participação nesse festival, em conjunto com mais 6 chefes portugueses, em San Sebastian no final de 2008, que Ljubomir decide encerrar as portas do seu primeiro 100 Maneiras.
Fecham-se essas portas, escancaram-se muitas outras janelas. Tantas quantas as que animam o espaço do novo 100 Maneiras, no Bairro Alto, em Lisboa. Em 2009 abrem-se estas portas e estas janelas. O começo do ano marca um novo começo de vida. E a alquimia prossegue…
A história do chef Ljubomir Stanisic e do 100 Maneiras é uma viagem. Ou várias. E se a caminhada inaugural acontece em 1997, quando o chef de origem jugoslava chega a Portugal, uma das últimas aconteceu em Setembro de 2010, com a abertura do Bistro 100 Maneiras, no Chiado. Resultado de uma outra viagem, esta de longo curso, entre Lisboa e Montreal. Da sua participação no Festival Lumière, em Fevereiro desse ano, o chef trouxe as ideias. Depois, bastou um encontro... do chef com o espaço perfeito.
Esse espaço é o antigo Bachus, junto ao Teatro da Trindade, um edifício de inspiração Art Déco. Uma sala histórica, ideal para dar lugar a uma actuação sem tempo. Porque o Bistro 100 Maneiras nunca terá idade. Um restaurante com passado, presente e futuro. Uma peça com três personagens principais num palco onde há espaço para tudo e para todos.
Em Julho de 2011, o novo desafio do chef foi fora da cozinha e dentro do pequeno ecrã. Ljubomir Stanisic foi escolhido para ser um dos três jurados do primeiro Masterchef Portugal, um fenómeno televisivo internacional dedicado à gastronomia que estreou dia 9 de Julho na RTP1. Espera-se uma audiência semanal de milhões de pessoas. Um novo desafio. Um novo começo para Ljubomir.
Em Setembro do mesmo ano, abriu o seu terceiro restaurante em Lisboa, o Nacional 100 Maneiras, vocacionado para grupos e eventos, com uma cozinha de cunho nacional e um espaço feito à medida de tudo e de todos: abre quando se quiser, para o que se quiser, desde pequenos-almoços, brunches, lanches, jantares com ou sem música ao vivo, com ou sem actuação de DJ, até ceias, aniversários, casamentos, baptizados, festas.
Porque o que é nacional é bom e o que vem de fora também.
2011 não termina sem antes ser lançado o segundo livro de Ljubo (como lhe chamam os amigos). Papa Quilómetros - Uma Caminhada Pela Gastronomia Portuguesa marca uma nova era nos livros de cozinha nacionais e dois meses depois era destacado mundialmente por isso mesmo: ganha prémios dos Gourmand World Cookbook Awards e da Academia Internacional de Gastronomia.
Já na 2ª edição, salta das páginas impressas para os ecrãs da televisão e mergulha na internacionalização. Papa Quilómetros é agora também um programa da Fox International Channels. Emitido pela primeira vez a 29 de Março de 2012 no novo canal 24 Kitchen, é composto por 15 episódios, passados em 15 localidades portuguesas. Durante 52 minutos, Ljubo descobre, conversa, cheira, remexe, bebe, cozinha, come, ri, faz rir (e só não chora para não estragar a maquilhagem).
O que vem a seguir? Nem Ljubo sabe...